quarta-feira, 12 de outubro de 2022

O astuto e silencioso racismo

 

                                                            Fotografia por Maan Limburg

Continuamos a acreditar que o racismo é inexistente, irreal ou que está devidamente solucionado em nossa sociedade. Para tal, basta observarmos os comentários publicados nas redes sociais, após a apresentação do trailer, que anuncia o remake da Disney “A pequena sereia”. A atriz Halle Bailey dá vida à personagem Ariel e o facto de ser uma artista/personagem negra provocou um desconforto tremendo. Muitxs de nós interrogam… Qual é o motivo de tal mudança?

É necessário e urgente haver representatividade, pois a diversidade é frequentemente negada e precisamos desconstruir ideias racistas. Argumentos como “se fossem as panteras negras, seriam interpretadas por pessoas brancas?” e “o Tarzan seria representado por negros ou indígenas?” são, no mínimo, pretensiosos. Vejamos, o cinema ocidental é composto, em sua maioria por artistas e personagens brancos e, igualmente cisgéneros e heterossexuais. A normativa caucasiana-cisgénero-heterossexual impera desde os primórdios, de modo que, quando esse padrão é quebrado, a maior parte de nós fica em aflição. Sim, simplesmente foi desconstruído um (pré)conceito instituído e que é fatalmente incorporado coletivamente.

A opressão às pessoas negras é tão comum e banal que preferimos não admitir que fazemos parte desse grupo agressor. Ainda que a escravidão tenha sido abolida, não estaríamos nós a reproduzir e a propagar teorias e práticas esclavagistas? Apenas em outros moldes ou formatos, mas a essência do racismo permanece pelo simples fato de ignorar ou negar a sua existência. 

O colonialismo é um período que automaticamente poderia causar-nos incómodo ou repulsa, pois traficámos e maltratámos inúmeras vidas afrodescendentes. No entanto, concordamos que a serventia negra, na atualidade, seria algo impensável, correto?

Pois é, a temporalidade não anula a violência instituída a este grupo de pessoas, mas as vítimas continuam alvos a serem abatidos.

Observemos a polémica gerada em torno de um filme apenas pela personagem ser de cor negra (ao contrário do filme original, vivido por uma sereia branca). Até quando iremos negar a existência do racismo? 

Somos responsáveis, sim, por essa barbaridade, igualmente em desconstruir o preconceito e, sobretudo em promover o espaço discursivo sobre esse grande tema. Vale o ditado: “Quem desdenha, quer comprar.”

Temos de falar sobre libertar mentes, tanto quanto libertar a sociedade. Numa sociedade racista, não ser racista não é o bastante. Temos de ser antirracistas” – Angela Davis.

O racismo institucional está bem evidente. Quantos deputados ou deputadas negras existem na Assembleia da República Portuguesa na atualidade? Quantos representantes políticos negros existem nos municípios ou juntas de freguesia na Ilha da Madeira? E em outras zonas do território português?

Exatamente, questões que, não raro sequer consideramos, pois, a função público-administrativa (e não apenas) é composta pelo patriarcado caucasiano e é uma ordem inquestionável. Assim o é na Igreja Católica, também presente na maioria das congregações católicas e grupos que seguem o cristianismo. 

Vamos comprar uma peça de roupa ou um novo computador e quantas vezes somos atendidxs por algum colaborador negro? Muito raramente, sobretudo em determinadas zonas de Portugal. Se a venda efetuada por uma funcionária negra é tão válida quanto seria por uma colaboradora branca, por que a maioria dos grupos empresariais são compostos por pessoas brancas? 

Num artigo científico, publicado na revista Science (Tirando a raça da genética humana | Ciência (science.org), quatro investigadores argumentaram que devemos superar o conceito de raça, como ferramenta para entender a diversidade genética humana. “Acreditamos que o uso do conceito biológico de raça na pesquisa genética humana, tão contestado e confuso, é problemático na melhor das hipóteses e nocivo na pior. É hora de que os biólogos encontrem uma maneira melhor.”

Salvador Macip, diretor do laboratório de investigação dos mecanismos do cancro e do envelhecimento, da Universidade de Leicester, na Inglaterra, salienta que “O que está obsoleto é o conceito clássico de raça. Sempre a vimos como uma mescla entre algo cultural e algo genético que vinha representado pela cor da pele.”

Deixemos de lado a fantasia de que não existe a predominância branca por alguns segundos e paremos para refletir… Por que a soberania das pessoas brancas é tão comum e presente? No comércio, universidades, governos e autarquias, entre outros espaços, a branquitude prevalece. 

Tenhamos consciência ou não, o racismo está evidente na nossa sociedade. Ainda que não acreditemos que é uma realidade, isso não invalida a existência da discriminação. 

Cada qual de nós tem o dever cívico de respeitar, bem como de romper e abolir ideias e práticas supremacistas. 

Para que a discussão se amplie é fundamental compreender que estamos em um lugar de tratamento diferente. É preciso reconhecer o racismo” – Marielle Franco.

As vidas importam


 


As vidas importam

O movimento Black Lives Matters (As vidas negras importam) impulsionou e trouxe visibilidade para a luta contra o racismo ao redor do mundo. Embora seja uma batalha antiga, casos mediáticos como o de George Floyd, apenas flagram aquilo que é o comum no nosso sistema social. Mais uma vida foi retirada, no qual o ódio/racismo estrutural incutido na nossa sociedade aprisiona e condena as pessoas negras.

A força violenta e abusiva das autoridades de segurança é apenas uma extensão da estrutura que nega a liberdade das minorias.

Preferimos acreditar que o racismo não existe no nosso meio, que não seríamos racistas e que jamais poderíamos ser coniventes com tal conduta.

Observemos um caso recente, no qual a atriz brasileira Giovana Ewbank e o seu marido, o ator Bruno Gagliasso ficaram expostos a uma situação inadmissível. Os filhos foram vítimas flagrantes de um crime de ódio, tipicamente conduzido pelo racismo. Como se não bastasse o constrangimento, a agressora saiu impune (até à data) da delegacia de polícia, alegando estar alcoolizada. Se o motivo é de facto o alcoolismo, porque não foi apresentado um plano para recuperação da doença? Talvez um pedido de desculpas, no mínimo, não lhe ficasse nada mal… Mas, nem isso!

De acordo com o Artigo 1º, presente na Lei 93/2017, de 23 de agosto: “A presente lei estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate a qualquer forma de discriminação em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.”

Isto significa que, a despeito de termos uma legislação em vigor que, em teoria protege a todxs nós, mas na prática tem ficado muito aquém do seu cumprimento.

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser anti-racista.” – Angela Davis.

Falamos do combate ao racismo, como poderíamos falar de tantas outras minorias, como os direitos LGBTQIA+. Diariamente, pessoas que estão à margem do padrão hétero-cis-normativo são vítimas de ataques violentos, desde o mais sutil ao mais bárbaro crime de ódio. As piadas, as chacotas e o bullying são eventos aceitáveis no nosso quotidiano. O cabelo, a roupa e todas as formas de expressão são arquétipos clássicos que marcam a diferença. Sim, desde cedo aprendemos que a cor azul está destinada aos meninos e a cor rosa é exclusiva das meninas.

Ainda antes de virmos ao mundo, o anúncio do sexo da criança é algo fortemente esperado e celebrado.

Se a criança for intersexo, como irá ser? Ou trans e/ou não se identificar com o formato binário atribuído? Talvez seja hora de revermos toda a nossa conduta, pois cada qual tem o direito a manifestar a sua própria individualidade, sem corresponder a expetativas, sejam dos progenitores ou não.

Podemos presenciar professores universitários a debochar do aluno gay ou trans que se manifesta na sala de aula. Não raro assistimos a episódios clássicos de LGBTQIA+Fobia, os quais frequentemente provocam traumas, gerando homicídios e/ou suicídios.

Todxs nós somos responsáveis e temos um papel fundamental que poderá intervir e fazer a diferença, em qualquer situação semelhante das quais acima foram citadas.

“Todos os jovens, independentemente da sua orientação sexual ou identidade, merecem um ambiente seguro e solidário para que possam atingir todo o seu potencial” – Harvey Milk. (Continua num próximo artigo…)



Artigo publicado no site esQrever, a 10 de Agosto de 2022.

O Poder do Voto

 



O Poder do Voto

Na nossa educação e instrução social somos ensinadxs a não questionar, ouvir e acatar as informações e/ou conteúdos que nos são transmitidos. De imediato, poderíamos perceber que, estamos a perder o direito e a liberdade do pensamento crítico.

Fatalmente a estrutura em vigor orienta-nos a crer nos mais variados e infames discursos proferidos pelas figuras políticas. Sequer nos permitimos ler com atenção e cuidado, verificar o que está a ser emitido, tão pouco conhecer o historial daquelx candidatx. Assim sendo, se apenas recebemos e acolhemos, sem a hipótese de questionar ou pesquisar, indica que, automaticamente iremos votar sem qualquer prudência.

Recuemos um bocadinho na nossa linha cronológica, retornando à era em que as mulheres e as pessoas negras não podiam votar. Sim, hoje nos é impensável ou inquestionável qualquer pessoa ser impedida de exercer esse direito.
Lamentavelmente isso aconteceu, e é mais recente do que poderíamos imaginar. Foi a Nova Zelândia o primeiro país democrático a reconhecer esse direito ao sufrágio feminino. A feminista neozelandesa Kate Sheppard liderou a luta intensa, para que esse direito fosse reconhecido.

Após o movimento impulsionado pela Sheppard, a Inglaterra em 1918 conquistou o direito ao voto feminino. Daí em diante, as mulheres ao redor do mundo manifestaram o seu direito ao voto em seus países. Em Portugal, após a Revolução de 25 de Abril de 1974 se consagraria o sufrágio universal, sem qualquer restrição ao género atribuído à nascença.

Ainda que esse direito seja legalmente reconhecido, há algumas zonas do planeta que a barreira ainda se mantém e/ou persiste. No Brasil, as mulheres negras encontram dificuldades para exercer essa atividade democrática. Vale lembrar que, desde o ano de 1932 (no Brasil), as mulheres tiveram o seu direito ao voto reconhecido.

“As rosas da resistência nascem no asfalto. A gente recebe rosas, mas vamos estar com o punho cerrado falando de nossa existência contra os mandos e desmandos que afetam nossas vidas.” – Marielle Franco.

Até quando iremos desvalorizar esse exercício democrático imprescindível? A taxa de abstenção em Portugal tem um valor médio de 60,4% (dados de 2 de março de 2021, do INE – Instituto Nacional de Estatística), caracterizando uma profunda preocupação. Quando iremos assumir a nossa responsabilidade democrática e eleger conscientemente a melhor representação público-administrativa?

O movimento negro há anos que luta persistentemente para colocar um fim ao racismo e a sua expressão calibrada de ódio e preconceito. Harriet TubmanMartin Luther King Jr.Rosa ParksMalcolm X e Angela Davis são algumas das principais figuras públicas que marcam a história do movimento.

Estas pessoas lutaram durante anos e algumas delas já não estão mais entre nós, para dar o seu testemunho. 
Uma minoria que sofreu (e continua a ser perseguida) tremendamente, mas que durante largos anos foram vítimas de uma serventia abusiva, cruel e bárbara. Não apenas a escravatura demarca este período lamentável da evolução histórica, mas sobretudo a persistência do preconceito racial. E sim, ele continua presente na nossa sociedade, quer tenhamos consciência ou não.

É de salientar que durante anos as pessoas negras não tinham o direito a exercer o voto. No ano de 1965, após uma luta árdua liderada por Martin Luther King Jr., esse direito foi reconhecido nos Estados Unidos da América.
São várias as barreiras instituídas pelas entidades governamentais, para assim manter o controlo e a soberania totalitária dissimulada.

Brasil prepara-se para ir a votos

No Brasil, as próximas eleições presidenciais farão a diferença no rumo da democracia e consequentemente serão um espelho que refletirá e terá influência por todo o mundo. Em causa está a ameaça constante ao Estado Democrático, cometida pelo atual presidente, Jair Bolsonaro. Ainda antes de assumir a presidência, enalteceu a ditadura, sendo um dos líderes desse regime militar uma de suas referências políticas, o general Brilhante Ustra. Além de ameaças democráticas ao Supremo Tribunal Federal, enquanto deputado incitou uma guerra civil, durante uma entrevista no ano de 1999. Nessa mesma entrevista, concedida ao programa "Câmera Aberta", transmitida pela TV Bandeirantes do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro disse que os problemas do país iriam ter um fim "quando nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro". Acrescentou, "Fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o [então presidente] Fernando Henrique Cardoso. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente". E deixou bastante claro que "Eu sou favorável à tortura, você sabe disso. E o povo é favorável".

Em contrapartida, Luiz Inácio Lula da Silva tem uma atuação política diferente do atual presidente e preza pela equidade, progresso e justiça social. O ex-presidente foi preso injustamente, essa conclusão foi declarada pela Justiça Brasileira e pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O ex-presidente foi vítima de justiça parcial e teve violado os seus direitos políticos, civis e à privacidade. Lula ganhou absolutamente todos os processos movidos contra ele, sendo assim um total de 25 processos judiciais. Foi reconhecido e aclamado mundialmente, sendo apontado pela "Time" , como um dos líderes mais influentes do mundo. Na França, recebeu o prêmio de uma revista especializada e reconhecida em política "Politique Internationale". Foi também indicado, no ano de 2019, ao Prêmio Nobel da Paz, entre outras condecorações e reconhecimentos globais, o ex-presidente transparece claramente quais os seus objetivos políticos. O Lula foi o presidente que mais promoveu a inclusão social na história, alçou o país ao sétimo lugar no ranking económico mundial e, durante o seu mandato possibilitou que 32 milhões de brasileirxs saíssem da pobreza e entrassem na classe média. Entre outros feitos, o ex-presidente progressista criou 15 milhões de empregos formais, foi o presidente que mais investiu na educação, mesmo sem ser diplomado e investiu na agricultura familiar.

Existem evidências suficientes para obtermos as nossas conclusões e é caso para questionar seriamente: que tipo de presidente irá o povo brasileiro eleger para os próximos quatro anos?

O exercício do voto é o momento marcante e determinante para toda e qualquer pessoa, pois é ali que se inicia a vida social democrática. O voto legislativo é tão importante quanto o voto das Associações Estudantis, como das Associações de Direitos Humanos, bem como eleger a representação das turmas universitárias e representações de cursos e/ou professores académicos.

Atravessamos o momento adequado e oportuno para começar a fazer a diferença nas nossas vidas, bem como refletir e ser uma extensão modelar na nossa sociedade. Que tal numa próxima eleição participar ativamente? Quer seja no condomínio, na escola, no trabalho, na universidade, ou em qualquer outro espaço.

“As nossas vidas começam a terminar no dia em que permanecemos em silêncio sobre as coisas que importam.” – Martin Luther King Jr.



Artigo publicado no site esQrever, a 26 de Agosto de 2022.